Casal que perdeu duas filhas em tragédia de Angra tem trigêmeos
- Depois de três anos desocupado, o quarto das crianças de Cláudia e Marcelo Repetto vai ganhar vida nova
- Eles perderam Geovana e Gabriela, de 12 e 9 anos, soterradas em desabamento no réveillon de 2010
RIO — Depois de três anos desocupado, o quarto das crianças de Cláudia e Marcelo Repetto vai ganhar vida nova. Eles esperam poder passar o Natal com Flora, Filipe e Valentina — nascidos na última sexta-feira, prematuros de sete meses — no apartamento em que moram há cerca de 20 anos, na Barra. Engordando na UTI da Perinatal da Barra, os trigêmeos chegam às vésperas do terceiro réveillon sem Geovana e Gabriela, de 12 e 9 anos, soterradas no desabamento da casa em que a família estava, em Angra dos Reis, na noite do dia 1º de janeiro de 2010, quando um temporal atingiu a cidade e deixou 53 mortos nas avalanches de pedras e terra que castigaram o município.
— Um filho não substitui o outro. Mas eu sabia que aquele espaço ia voltar a ficar cheio de vida. O quarto vazio nunca foi um incômodo, apesar da imensa saudade. Até fizemos um pequeno altar em frente a ele para todos os dias rezar pelas meninas, que nunca vamos esquecer. E, aos poucos fomos conseguindo guardar as coisas e redecorá-lo para receber os bebês, embora a gente até tenha outro quarto que poderia ser deles — conta Marcelo, de 48 anos, dono de uma loja de fotografia.
— Minhas filhas se foram no réveillon, que é uma data de muita festa. E a chegada das crianças agora indica que o próximo ano vai ser muito especial. Quando tudo aconteceu, nossa ideia era nos mudar e fugir. Mas fugir de quê? Da vida? Para onde fôssemos, levaríamos nossa bagagem dentro de nós. O quarto das crianças era uma questão muito difícil. Mas conseguimos resolver as coisas vivendo dia após dia — completa Cláudia, hoje aos 46 anos, que para engravidar novamente passou por um aborto em uma gravidez espontânea e três inseminações artificiais. — As meninas sempre pediam um irmãozinho. Agora, por coincidência, vieram duas meninas e um menino.
Geovana e Rafael estão sempre com Cláudia e Marcelo, que estão juntos há trinta anos. Não só na memória. Foram tatuadas no corpo da mãe, estão estampadas em colares dos pais e em almofadas levadas para a maternidade. Mas a saudade não os imobilizou. Segundo Cláudia, foi difícil reaprender a viver a dois após a tragédia. Mas o sofrimento os deixou mais fortes, e o projeto de ter um outro filho abriu um outro capítulo na vida da família.
— Reaprendemos a ficar sós, e trabalhamos para que a vida continuasse. A vida é maravilhosa — diz Cláudia, que teve uma gestação natural ainda em 2010, mas perdeu o bebê na sexta semana.
O casal procurou o médico João Ricardo Auler, especialista em reprodução assistida e, coincidentemente, pai do melhor amigo de Geovana na escola. Na terceira tentativa, engravidou.
— A história dela é uma das mais especiais que já vi. Hoje enxergo isso como uma missão. Acho que ela recebeu a determinação de levar ao mundo esta mensagem de esperança e superação. Esse casal tem uma força insuperável e me ensinou muito — diz o médico que se tornou amigo dos dois.
Cláudia e Marcelo — que no desabamento ficaram gravemente feridos (ela quebrou costelas, e ele teve o funcionamento dos rins comprometido) — dizem que aprenderam tudo com as filhas.
— Hoje sou uma pessoa diferente. Os trigêmeos nasceram no dia 8, um número que lembra o símbolo do infinito. E esse amor infinito nasceu com as meninas, que ensinaram para a gente que o amor transcende. Quando a gente valoriza o bom, o ruim não aparece. A mensagem que queremos passar é que existe esperança. Que a vida continua — explica Marcelo. — Quando as meninas se foram, plantamos as cinzas delas com dois ipês brancos num sítio em Juiz de Fora. Agora não vejo a hora de ver as crianças subindo nessas árvores.

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