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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

DA INFÂNCIA PERDIDA E OUTROS POEMETOS (Poesia)

Mauro Gonçalves Rueda



São José do Rio Preto/Barretos, l.995




capa


PREFÁCIO
Como se fosse fácil, para a infância perdida, encontrar a saída, transformá-la em prefácio. Como se fosse fácil, transformar o fóssil-hermético da alma sem idade, em frases que nos expliquem os sentimentos transformados em rimas. E as rimas, os versos, se não retratam o silêncio, espelham o sangue, filho da solidão. E, creio, tudo não passa de ilusão.
Ainda bem que os ebooks não têm “orelhas” e nem recendem à cola, papel, mofo, ranço e depredação. De forma que, sinceramente, não sei bem o que dizer sobre “A Infância Perdida e Outros Poemetos”. Apenas e tão somente que, por tanto sentir, sonhar, viver, ver e sofrer — sinto que, a vida valeu, vale e valerá sempre. Ainda que, para renascer, seja necessário, baixar à terra, tudo o que mais amamos. Sobretudo, a infância. E da infância, ao que me parece, o que mais fere, são as lembranças.
No entanto, como viver sem elas, recordações? Por isso, se nos versos que escrevo, há o que me parece, uma excessiva pitada de tristeza e melancolia; desesperança e desolação, ora queridos(as) leitores(as), é exatamente “essa pitada”, o que me faz, perscrutar — insone —, as madrugadas. Talvez seja sina. Ou mera ilusão. Uma côdea de excesso da sensibilidade. Fraqueza e até mesmo, falta de vigor diante dos percalços da existência. Contudo, de algo tenho plena convicção: não, não há nada na vida, que nos faça sossegar dentro do peito, o gigante coração.
Se a mente pensa, é porque acredita refazer o que sentido. E, sinceramente, não há muito sentido, o excessivo e acurado refazer o que sentido. Porque na poesia, a razão somente auxilia.
Há muita melancolia. Há uma saudade sem tamanho. E algo que se me retrata estranho: apesar da idade, há um menino sempre batendo asas dentro do peito, da imaginação. Por isso, por esta criança, é que na tristeza, na saudade, na melancolia, ainda preservo a vicejar, a infância perdida. Mas que havia. Que passou, (e embora pareça morta), vive em meu peito a brincar. Para conhecer o homem e o menino, melhor mesmo é ler. E ler para — ainda que por mera curiosidade —, conhecer, sempre vale a pena. É o mesmo que sonhar, colher estrelas com as mãos e criar asas para voar.
A infância? Bem, quem não a teve e ao se recordar, sente desejo de caminhar em sentido contrário e à ela tornar? Quem sabe para resgatar um pouco, quase nada, daqueles sonhos e esperanças que, hoje sim, nos parecem muito mais, contos de fadas?
Acho que é isso. Ninguém melhor e apto para discorrer sobre a obra, que o próprio autor. Mas o autor, ora, o autor é o descartável e terrível suspeito em tudo o que produz. Portanto, sua opinião é o mesmo que emprestar sentido ao que não carece empréstimo algum. Sobretudo o de sentido para o que nem há. No mais, cada leitor(a), é quem possui, na realidade, a verdadeira capacidade de criar, inventar, sonhar e, ultrapassar todos os limites que nos prendem ao mundo com sua realidade nua, crua e excessivamente devastadora, chocante e desesperançada.
E é isso, exatamente isso, o que não cabe aqui. E apesar do toque melancólico desta cantilena, há muita luz e brilho em cada verso — alado ou não. Basta ler tendo aberta a frincha, por onde a criança espia — mesmo depois de idosa —, a sua própria infância. Faça isto. Vale a pena. Mesmo porque, quem lê poesia, de uma forma ou de outra, não deixa de ser poeta também. E os poetas, bem, são somente crianças crescidas. Anjos a espera... Sem jamais perder a esperança e resgatar as fantasias em um mundo que, viver sem elas, é morrer um pouco à cada dia.

Mauro Rueda.

Primeira Parte:
DA INFÂNCIA PERDIDA

1
A infância.....
Ah!, a infância perdida!
Hoje é tudo,
tudo o que me resta
nesta vida!.
2
Quando queria escrever,
trancava-me em meu escritório.
Dócil, sorrindo, ela vinha.
Batia na porta e sussurrava:
— Pa..pai!.
Assim, fiz-me poeta.
E, jamais voltei a escrever
uma frase, um verso sequer.
3
Meu pai, alimentava os porcos.
Minha mãe, no batedouro.
E eu,..eu jamais poderia imaginar
que, aquele sonho, um dia,
(já adulto)
me fizesse chorar!.
4
Meus irmãos
abarrotavam a casa
na inocência da algazarra.
Éramos em oito e,
não sabíamos que,
a mãe e o pai
valiam por mais de mil!.
 5
Quando meu avô morreu,
era madrugada de natal.
Então, descobri que,
Papai Noel,
jamais voltaria
a brincar em meus sonhos.
 6
Quando o crepúsculo surgia
modorrento, interiorano,
meu coração passarinho
e meu pensamento cigano
traziam-me uma melancolia
e uma saudade do que não vivi....
Então, de repente,
nem alegre, nem contente,
eu voltava a ser gente:
e me punha a sonhar!.
7
Pelos trilhos de terra,
cercado pelo mato rasteiro,
durante a minha infância
— a voar em pensamentos —,
conheci o mundo inteiro!
 8
Quantas varandas!
Terrenos baldios e quintais!
São memórias da infância distante,
perdida no tempo;
são retalhos de sonhos,
costurando os meus “ais”!.
 9
O cachorro vira-latas
pelo quintal estirado...
A cadeira de palhinha,
o olhar equidistante...
Parece que foi ontem!
Parece...
Mas, bem sei:
foi num tempo inexistente
em que a paz inda era Lei!.
 10
A solidão do homem já feito
dói, dilacera, amarga no peito.
A solidão do menino, não!.
Povoada por sonhos, fantasias,
nem parecia ser solidão!.
 11
Quando se envelhece
a vida parece
transformar-se num passarinho.
Bate as asas e,
se nos foge de mansinho!.
 12
Às vezes, a gente pensa na vida
com uma saudade danada!.
È feito quem sabe perdê-la.
É feito quem chega
ao fim da estrada!.
13
O sonho do menino
franzino, alado...
Hoje traz os pés no chão.
Passarinho engaiolado!.
 14
Sei que jamais
voltarei a ser eu mesmo.
É que, de tanto sonhar,
fui me perder por aí
para, nunca mais voltar!.
 15
A correr pelo mato
(na infância)
sentia-me leve, solto...
Hoje adulto, na cidade,
sinto-me um pobre,
doentio homem morto.
16
As primeiras palavras
brotam feito asas!.
E, restam por toda a vida
(bailando nos corações dos pais),
pairando pela casa.
17
Abandonado, o menino
vivia sempre
—eternamente—,
contente e sorrindo!.
18
Aos 39 anos
ainda vivo de sonhar.
É que a criança
no adulto,
vem estar.
19
Na solitude silente
da madrugada,
observo as estrelas.
Criança curiosa.
Mais nada.

20
Minha esposa, minha filha...

O que mais resta
(exceto a infância perdida),

em tudo o que me resta de vida?!.

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